Tratar de cachaça artesanal neste espaço tradicionalmente dedicado à Engenharia Química, busca (além de tornar esta página mais atraente e agradável), realizar uma justa deferência à uma prática produtiva que reúne operações unitárias (moagem, destilação fracionada), processos biotecnológicos (fermentação) e sustentabilidade ambiental (uso do vinhoto ou vinhaça em processo de fertirrigação). Nada mais justo então afirmar que a produção de cachaça no Brasil foi a primeira atividade relacionada à Engenharia Química, muito tempo antes de George Davies (em fins do sec.XIX) realizar observações sobre a necessidade de uma nova formação profissional que culminaria com sua formalização – Engenharia Química -, por Lewis Norton, em 1888.
Atualmente, é inegável a contribuição da Química e da Engenharia Química no aperfeiçoamento desta prática que praticamente se encontra em todo o território nacional. A cana de açúcar, trazida pelos portugueses de suas possessões na Índia, aqui encontrou solo e clima favoráveis, e praticamente foi apenas uma questão de tempo aliar o caldo da cana naturalmente fermentado com a tecnologia de destilação já bem dominada pelos portugueses, que produziam bagaceiras.
De origem miscigenada, a produção da famosa cachaça de alambique ou artesanal, é um dos símbolos do Brasil no exterior, e internamente, uma de suas paixões nacionais.
O CRQ IV disponibiliza um excelente mini curso sobre boas práticas de produção, que pode ser obtido gratuitamente através de:http://www.crq4.org.br/downloads/tec_cachaca.pdf
A cachaça artesanal capixaba é aqui produzida desde meados do século XVI e apesar de não possuir o status da famosa moqueca capixaba, poderia também, por inúmeros méritos, se tornar patrimônio cultural imaterial (ou patrimônio cultural intangível) do Espírito Santo. ( http://www.morrodomoreno.com.br/materias/engenhos-de-acucar-no-es.html ).
Rugendas, Johann Moritz (1802-1858). Voyage pittoresque dans le Brésil.
Como neste período se considera que os primeiros alambiques, no interior dos engenhos, foram construídos no Brasil Colônia, é razoável afirmar que a cachaça artesanal capixaba avança para 5 séculos de existência.
Pode-se exemplificar isto com o fato de que em 1605, a cultura da cana já era importante inclusive em Vitória, com registros históricos de produção de açúcar e cachaça.
Há também registros do embarque de centenas de pipas (barris) de cachaça, entre 1826 e 1827, pelo Porto de São Mateus e segundo documentação histórica comprovada, na famosa viagem no interior do Espírito Santo, feita pelo imperador D. Pedro II, em 1860, este ficara impressionado com a quantidade de alambiques existentes na então Província.
Porto de São Mateus, ES
Nesse contexto, temos ainda hoje em funcionamento, uma das mais antigas (e respeitadas) marcas de cachaça do Espírito Santo (e do Brasil) – a Thimotina -, fundada em 1915.
Paulo Roberto Dias Soares, atual proprietário da Thimotina, dando continuidade ao ofício de seu bisavô.
Além da importância histórica desta atividade, é de fundamental registro também a QUALIDADE do produto aqui produzido.
O Espírito Santo é o terceiro maior produtor de cachaça artesanal do Brasil, segundo o Ministério da Agricultura (MAPA). Um estudo realizado por esta entidade comprovou que o estado tem 74 produtores registrados, atrás de Minas Gerais, com 421, e de São Paulo, com 126. São Roque do Canaã é o segundo município no país com maior número de fabricantes registrados, sendo superado somente pelo município de Belo Horizonte.
A produção capixaba gira em torno de 15 a 20 milhões de litros por ano, sendo um negócio que movimenta aproximadamente 300 milhões reais /ano, entretanto o setor enfrenta enormes dificuldades relacionadas com a produção de cachaça clandestina e a forte tributação do setor.
Além disso busca consolidar sua presença num segmento fortemente caracterizado pela presença de cachaças produzidas em escala industrial, em grandes destilarias.
A produção capixaba também se destaca por sua tradição e qualidade, com destaque para a cachaça Thimotina, de Afonso Cláudio, que foi fundada em 1915 e das premiadas cachaças da Reserva do Gerente e da Princesa Isabel, além de inúmeras outras marcas clássicas do estado, como Santa Terezinha, Dose Clássica, 6Annas, dentre outras, que são comprovações claras do alto nível alcançado pela produção local.
Para reconhecer e qualificar as cachaças brasileiras, há um conceituado ranking editado pela organização Cúpula da Cachaça e estabelecido por um grupo de ‘cachaciers’ renomados.
No ranking de 2016, a cachaça capixaba “Reserva do Gerente – Carvalho”, produzida no município de Guarapari, ocupou o honroso 2º lugar entre as 50 melhores marcas do Brasil. Este ranking é composto por um conjunto de atribuições que conferem qualidade à bebida, como coloração, aroma, paladar, oleosidade, entre outras virtudes.
Fonte: http://www.cupuladacachaca.com.br/ranking-cupula-da-cachaca/resultado_ranking_2016/, acesso em 27/09/2017
Ademar Belizário, proprietário da Reserva do Gerente
Também merece destaque a cachaça Santa Terezinha, produzida desde 1942, no Vale do Canaã, zona rural de Santa Teresa, e que recebeu em 2014, a Medalha de Ouro “International Taste & Quality – Institute Brussels”.
Adwalter Menegatti, proprietário da Santa Terezinha
Mais recentemente, em 2017, no Concurso Mundial Bruxelas, uma conceituada disputa internacional de bebidas de qualidade, a cachaça Coisa Nossa, também de Santa Teresa, conquistou o primeiro lugar.
Destaque também para a cachaça Princesa Isabel, alambique premiado de Linhares e detentor de várias premiações nacionais e internacionais.
“A cachaça capixaba Princesa Isabel Aquarela, fabricada no município de Linhares, norte do Estado, garantiu o primeiro lugar na linha branca do produto, no 3º Ranking da Cúpula da Cachaça, que elegeu as 50 melhores do Brasil, publicado no jornal Estadão, de São Paulo.
Adão Célia, produtor da Princesa Isabel, afirmou que o primeiro lugar no ranking consolida uma série de premiações que o produto vem recebendo, inclusive internacionalmente. A cachaça linharense, nos últimos anos, angariou colocações significativas para o Espírito Santo na Expo Cachaça, também em São Paulo, na Alemanha e em Londres, na Inglaterra.
“A linha branca é muito disputada e estamos muito felizes, não só pelo reconhecimento do nosso trabalho, que é fruto de uma estrutura moderna, uma assessoria especializada, boas prática no manejo da matéria prima, a nossa cana de açúcar, como também, é destaque para a nossa cidade. Esse prêmio é de Linhares”, afirmou.”
Nos dias 5 e 6 de setembro de 2019, no Centro de Convenções em Vitória, um grande evento nacional no segmento produtivo de cachaça artesanal ou de alambique: o I Salão de Negócios da Cachaça, em paralelo com I Congresso Brasileiro da Cachaça.
Este evento foi iniciativa da Aprocana, que reúne os produtores de cachaça do estado do Espírito Santo, da Anpaq (Associação Nacional de Produtores de Cachaça de Qualidade) e do Sindibebidas (Sindicato da Indústria de Bebidas em Geral do Estado do Espírito Santo).
Este evento teve como principal organizador o Dr. Adão Cellia, proprietário da cachaça Princesa Isabel e entusiasta da divulgação da bebida que melhor simboliza a história e cultura de nosso país.
Fonte: https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/02/2018/cachaca-produzida-no-es-garante-primeiro-lugar-entre-as-50-melhores-do-brasil
Para conhecer mais sobre estas marcas, recomendo a visita aos seus sites (o melhor, entretanto, seria aos seus alambiques !).
https://www.cachacaprincesaisabel.com.br/inicio
http://thimotina.com.br/site/
https://www.reservadogerente.com/
http://cachacasantaterezinha.com.br/site/
http://www.cachacacoisanossa.com.br/
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A Cachaça em números:
40.000 produtores no Brasil
98% de pequenos e micro-empresários
600 mil empregos diretos e indiretos
11,5 litros de consumo de cachaça por ano por habitante
7 bilhões de reais de movimento anual em sua produção
4.000 marcas de cachaça disputam mercado no Brasil
Exporta cerca de 1% de sua produção anual
50% das Exportações é de cachaça a granel
70% da produção brasileira é de cachaça de coluna ou industrial e 30% de cachaça de alambique
Mercado informal: ainda elevado em algumas regiões o que elevaria a nossa produção para algo em torno de 2 bilhões de litros/ano
3º Destilado mais consumido no mundo
87% do market share dos mercado de destilados no Brasil
70% dos consumos de cachaça são realizados em bares e restaurantes e 30% nos demais pontos de vendas.
Fonte: CBRC- Centro Brasileiro de Referência da Cachaça. Dados 2012 (http://www.sebraemercados.com.br/oportunidades-para-a-cachaca-no-mercado-interno-e-externo/, acesso em 27/09/2017)
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A Cachaça no Espírito Santo:
80 a 90 destilarias registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
Produção de 20 milhoes de litros/ano
5 mil empregos diretos
Mercado fortemente influenciado pela informalidade e produção irregular.
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Uma excelente fonte de consulta ? O Anuário da Cachaça !
Disponível no link abaixo:
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/pasta-publicacoes-DIPOV/anuario-cachaca.pdf/view
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Sobre a cachaça é importante definirmos alguns pontos:
1) Cachaça artesanal e cachaça industrial são a mesma coisa ?
Não !
Apesar de ser totalmente regulamentada a produção de cachaça em COLUNAS DE DESTILAÇÃO, encontradas nas grandes destilarias nacionais, trataremos aqui da cachaça artesanal, produzida em alambiques de cobre e que, segundo especialistas (cachaciers) apresentam características sensoriais superiores ao produto industrializado, com um bouquet diferenciado.
O bouquet é formado por compostos secundários pertencentes às classes funcionais dos ácidos carboxílicos, ésteres, aldeídos e alcoóis, e em proporções menores cetonas, compostos fenólicos, aminas e mercaptanas. São mais de 250 compostos já identificados e que em proporções equilibradas, são responsáveis pelo aroma que caracteriza a cachaça e a diferencia de uma mistura alcoólica qualquer. (http://www.clubedoalambique.com.br/qualidade-quimica-e-sensorial-da-cachaca, em 27/09/2017).
Desta forma, considera-se a cachaça artesanal um produto de qualidade superior e altamente sofisticada.
2) Toda cachaça artesanal é produzida legalmente ?
Não !
Este inclusive é um grande problema do setor, pois existem dificuldades diversas devidas à:
grande tributação do setor;
dificuldade de competição com as marcas industrializadas (produzidas em grande escala);
tributação diferenciada entre os Estados;
baixa capacidade divulgação da marca por parte de pequenos produtores;
dificuldade de organização em associações ou cooperativas;
e baixa participação de órgãos estatais no suporte, apoio e difusão de boas práticas tecnológicas e comerciais, dentre outras.
Desta forma, é extremamente comum verificar-se a migração de produtores legalizados e registrados no MAPA, para a informalidade, o que em médio prazo poderá comprometer todo o segmento e acarretar inclusive no limite, sua extinção.
Para saber um pouco mais sobre a questão dos tributos que incidem sobre a cachaça, recomendo a leitura do livro “Tributação da Cachaça”, editado pelo SEBRAE e que pode ser obtido gratuitamente acessando:
http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/a3c4c54e9406f026facff74b0a9a04ad/$File/4527.pdf
3) Uma saída para o setor é a exportação ?
Sim, dependendo de algumas condições.
Exportação é o sonho de todo produtor. Entretanto, produtores que não possuem uma estrutura administrativa mínima, capacidade financeira, conhecimento da legislação específica e irregularidade quanto aos itens de qualidade (p.ex.: metanol, cobre, furfural, dentre outros) não conseguem realizar exportações, e quando conseguem, a realizam poucas vezes devido à dificuldades relativas:
à manutenção e renovação do contrato;
súbita variação cambial;
dificuldade em atender demandas crescentes;
dificuldades logísticas para atender compromissos firmados, dentre outros.
Além disso merece destaque a crescente barreira à exportação de produtos com teor de carbamato de etila (substancia de comprovada ação carcinogênica) superiores à 150 microgramas por litro. Esta restrição surgiu inicialmente no Canadá e adotada posteriormente na União Européia, onde se encontra nosso maior importador, a Alemanha.
Adicionalmente, a existência de uma rede insuficiente de laboratórios credenciados para análise química de lotes voltados para a exportação, localizada em poucos pontos do território nacional, se constitui em uma barreira que impede o acesso e interação com o setor produtivo.
Desta forma, aos interessados em empreender neste segmento recomenda-se fundamentalmente, informação.
Para auxílio, um pouco mais sobre este tema pode ser obtido em:
http://www.apexbrasil.com.br/Noticia/IBRAC-CELEBRA-CRESCIMENTO-DAS-EXPORTACOES-DE-CACHACA-EM-2016
4) Caipirinha deve ser feita com cachaça envelhecida ?
Jamais !
A cachaça envelhecida é um produto nobre, sendo um completo desperdício ser destinada para este fim. Para isto, usar somente as cachaças “brancas”.
Conheça as principais madeiras para envelhecer cachaças: http://www.mapadacachaca.com.br/artigos/madeiras-para-envelhecimento-da-cachaca/ .
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Realizo palestras sobre produção de cachaça artesanal, e para isto basta apenas me contactar !
Em 13/09/17, estive no 5 WEQ (Workshop de Engenharia Química) do curso de Engenharia Química da UFES (S.Mateus) abordando um pouco deste tema.
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Para saber mais:
https://jornalfatosenoticias.com.br/index.php/2023/09/20/a-importancia-da-cachaca-artesanal-capixaba/